Uma outra vereda para o GRANDE SERTÃO

29 jul

Um simples toque no nome de João Guimarães Rosa e vejo-me arremessada ao encontro de seus inesquecíveis personagens do Grande Sertão: Veredas.

Um romance que li com avidez. E não posso me furtar ao prazer de relê-lo muitas vezes, na busca dos tesouros encontrados nas suas mais de seiscentas páginas. Renovado desejo de rever e repensar inúmeras afirmações de valor imenso, só cabíveis na mente de um autor excepcional e que se destaca, além disso, pela originalidade do estilo.

De posse de uma bateia, eu preciso, volta e meia, recolher as pepitas de ouro escondidas naquele filão inesgotável.

Ali, o Bem e o Mal se digladiam com astúcia e fúria e, não raro, mudando de receptáculo. Sim, porque a generosidade, o companheirismo, a valentia, a fidelidade, o misticismo, o amor, a dor, a justiça, o medo, o ódio, não têm dono certo. São parte de um labirinto, ou uma teia, que envolve todos os personagens.

É o redemoinho onde O Que Não Há, o Diabo, o Coisa Ruim, o Tinhoso se farta.

O próprio Tatarana dá a receita:

" …para a gente se transformar em ruim ou em valentão, ah, basta se olhar no espelho – caprichando de fazer cara de valentia; ou de ruindade!"

Escrevo, hoje, para registrar uma injustiça que ficou pouco clara no tortuoso roteiro da narração.

Fácil é identificar o maldito da história; o Hermógenes. Para ele, parece não haver salvação. Nem um gesto, nem uma palavra, nenhum sentimento que revelem um mínimo de boa vontade em favor de alguém. É o emissário da morte inglória…o próprio Demo.

Não há dúvida sobre esse fato. Ele mata…e pronto!

Não importa quem seja a vítima…cruzou o seu caminho, atrapalhando seus planos, inimigo ou inocente, o destino está selado! "Hermógenes, homem que tirava seu prazer do medo dos outros, do sofrimento dos outros".

Não é ele que quero colocar no banco dos réus.

Meus olhos se voltam para Reinaldo, mais conhecido como Diadorim.

É. Diadorim, sério, bonito, gostando de silêncios [o que demonstra introspecção] braços alvos, e rosto corado, grandes olhos verdes, finas feições… assim o descreve Riobaldo. Um Riobaldo apaixonado, um Riobaldo torturado por um sentimento condenável, um jagunço valente, cabra macho cuja coragem fora conquistada a duras penas, nas temíveis batalhas do cangaço…Um homem tão perturbado que chega a sonhar com o objeto do seu delírio passando sob o arco-íris.

Ah! Assim estaria livre daquele feitiço, e livre para realizar o seu amor.

Diadorim sabia! Sabia o que se passava no íntimo do seu "amigo". Sabia…mas silenciava…

Escondia-se sob o manto de tenebrosa mentira.

Aquela infeliz podia ter mudado o destino dos dois.

Podia ter encontrado o momento próprio de revelar-se.

Podia, quem sabe, numa noite de lua, ter saído das águas de um riacho, como uma deusa grega, uma Afrodite do sertão, vestida da nudez reveladora…mas, não!


No meu entender, ela foi o maior algoz de toda a trama!

Em nome de uma vingança, assassinou o Amor…

Bato o martelo!

Fim do julgamento: Culpada!

Matar o Amor é tão cruel quanto matar pessoas.

O desprezo indefensável de Diadorim fez de Riobaldo o eterno sofredor que revive, com a interferência de cada novo leitor, o seu tormento, naquele lamentoso depoimento ao ouvinte fantasma.

Justifico o veredicto:

Ah! Diadorim
Foste intransigente demais.
Dia após dia,
noite após noite, viste
a dor, a tortura, a ânsia, a loucura …
Viste o sofrer de quem te amava,
te queria, te desejava.

De quem queria te tocar,
te falar, te segurar as mãos
te dizer ternuras
se aproximar o mais possível
te servir
te acariciar…
Estar sempre ao teu lado
passar a mão em teus cabelos
te fechar os olhos
te ninar
cantar, talvez, uma canção de amigo
para que pudesses dormir ao seu abrigo.
Fazer silêncio apaixonado
para descansar este teu corpo cansado
das lutas e labutas do dia.
Olhar-te com olhar de mãe
que adora a cria.
Fazer dos braços um ninho
e do teu corpo um passarinho…

Diadorim, foste louca
em negar tanta possibilidade.
Podias ter sido feliz.
Ter conhecido a amizade
no que ela tem de mais puro.
Deixado as almas se enlaçarem,
seguirem juntas sem temer escuro,
monstros, traições, maldades,
sem temer nem mesmo o Demo…
Seguirem de tal forma iluminadas,
sendo, elas mesmas,o sol da estrada.

Ah! Diadorim…
Não há perdão para tamanho sacrifício
Não há perdão para tanto desperdício.



P.S. Claro que se a história terminasse com um happy end o romance não passaria de um folhetim semelhante a outros tantos.

Maria Deodorina criando filhinhos – um a cada ano – criando galinhas, plantando hortaliças e flores, enquanto Riobaldo – não mais Tatarana – deitado numa rede, cofiando o bigode, apreciaria o grande plantel de animais ultra selecionados que amealhara com seu trabalho, ajudado pela polpuda herança e pelos amigos influentes.

Felizmente, J.G.Rosa não me pediu opinião.

14 Respostas to “Uma outra vereda para o GRANDE SERTÃO”

  1. jucemir 29 de julho de 2010 às 17:17 #

    “Ali, o Bem e o Mal se digladiam com astúcia e fúria e, não raro, mudando de receptáculo.”
    Bestage! O balaio é o mesmo, e dentro dele fica tudo junto e misturado.

    “É o redemoinho onde O Que Não Há, o Diabo, o Coisa Ruim, o Tinhoso se farta.”
    Outra bestage! É tudo coisa humana. No mais das palavras é tudo álibi feito a facão e decorado pra depor no julgamento e colocar a culpa num duende, numa bruxa, num goul, num leprechaun, no boto cor de rosa ou na serpente…

    “Fim do julgamento: Culpada!”
    Nonada!Culpado mesmo foi Joca Ramiro que educou muito mal essa menina.
    …Mas esse dito cujo é morto enterrado na poeira das páginas de Guimarães e descansa no Nada – aliás,é nessa mesma necrópole que viventes reais e imaginários acabam se encontrando.

    É tudo coisa humana.

  2. dinah 30 de julho de 2010 às 14:33 #

    Para Jucemir

    Pois é, amigo!
    Agradeço a sua fidelidade ao nosso campo de conversas…O jardim, apesar da chuva…ou a sala, bem mais acolhedora; o que importa é estar presente. Entretanto o que vejo é que a imbecilidade,desculpe, a fatuidade do twitter levou todos os nossos companheiros de papo. É uma pena!!!!!!!

    Mais um pouco e me verei falando sozinha, se você também abandonar o “barco”.

  3. Liane 30 de julho de 2010 às 16:56 #

    Oxe!!! Não bote a culpa no twitter, tadinho.
    Pois fique a senhora sabendo que seu blog andou sendo anunciado por lá!
    Eusinha não comentei o post por absoluta preguiça de ler. “Descupaê”.

  4. Rejane 1 de agosto de 2010 às 16:29 #

    Não li o romance ( devo sentir vergonha por isso?), mas a história todos conhecemos.
    É difícil julgar…
    Será que ela fez errado?
    O que a levou não entrar de cabeça naquele amor?
    Deve ter tido suas razões…
    Esse possível final de folhetim eu adorei.
    Seriam felizes para sempre. Não é isso que todos nós buscamos?
    Adoro um happy end.
    EU quero ter um happy end.
    Bjs

  5. Marcelo 1 de agosto de 2010 às 20:40 #

    Ola, pessoal !!
    Passei por aqui e deixo um beijo para todos !
    Dinah, adorei o post sobre Grande Sertão.
    Uma pena que os grandes sertões estão acabando….substituídos por soja, minérios e ferrovias….é o consumo ! e viva o primeiro mundo …

  6. dinah 2 de agosto de 2010 às 08:40 #

    Querido ex…

    Ex O QUÊ???!!! Não! Não é ex-aluno…não é ex-amigo…não é ex- vizinho…não é ex-conterrâneo..não!!!!!
    É ex-leitor e parceiro de comentários!

    Será que o ‘primeiro mundo’ lhe tirou da nossa rota????

    Peraí, rapaz! Sem essa de “passei por aqui”. Faz favor de PARAR e se demorar um pouco para trocar idéias…Você faz falta!!!!!!

    Retribuo o BEIJO! (de má vontade…)(Mentirinha…)

  7. jucemir 3 de agosto de 2010 às 04:35 #

    Para REJANE.

    “EU quero ter um happy end.”

    Ah!era bom demais.Uma literatura de sonhos – tudo saia “ como no som de Tim Maia”.
    Imagina:
    -Otelo não era ciumento e poupava a pobrezinha da Desdêmona;
    -Édipo não era filho de Jocasta – foi tudo um engano dalguma Moira distraída;
    -Aqueles doidos todos, filhos de Dostoievski – Raskholnikov, Rogojin, Ivan Karamazov e o epiléptico do príncipe Michkin – procuravam ajuda de psicanalistas e psiquiatras e assim evitavam todas aquelas desgraças;
    -Bentinho jamais tinha dúvida da fidelidade de Capitu;
    -Paul Baumer escapava vivo das trincheiras;
    -Josef K. era julgado e inocentado – bem no estilo dos filmes de tribunal;
    -Oblomov se curava da preguiça patológica;
    -Chovia sempre no sertão , Fabiano e Sinhá Vitória se tornavam prósperos fazendeiros e Baleia morria velha e gordinha;
    – O Coronel/Lobisomem não perdia a fazenda;
    -Zeno parava de fumar (A bem da verdade, este era o menor dos seus problemas.);
    -O capitão Acab entrava pro Greenpeace;
    -Julian English não ia ao encontro da morte em Samara;
    -O atormentado Barrabás se aquietava em alguma aldeiazinha da Galiléia;
    -Philip Carey convencia Mildred a sair da prostituição;e
    -A delimitação das propriedades na zona do cacau era respeitada, ninguém brigava e os coronéis – todos progressistas – resolviam seguir o exemplo da burguesia agroindustrial paulista e investiam na cidade.
    Finais alternativos é o que não falta.
    …Mas tenho pra mim que junto com estes também se ia a literatura.

  8. jucemir 3 de agosto de 2010 às 15:40 #

    Correções.
    -Errei de irmão: Dmitri Karamazov (e pode pôr ao lado deste, o bastardo Smerdiakov).
    -“Raskolhnikov”

  9. Bel 3 de agosto de 2010 às 19:28 #

    Não reclama do twitter, vamos pra lá rir também!!! 😉

  10. jucemir 4 de agosto de 2010 às 16:04 #

    Pra Anabel.

    Twitter…
    Nunca vi nem comi, eu só ouço falar.
    ……………………………..
    Outro dia, tive um sonho bem estranho (Ora direis : Sonho estranho é pleonasmo .).
    Era eu e Rita Pavone – bem novinha e com cara de Sandrinha . Rita cantava “Datemi un martello.” e passava-me u’a marreta.
    Nem precisei perguntar: Che cosa ne vuoi fare?
    Totalmente possesso, eu saia espatifando tudo que era celular.
    Jucemir

  11. jucemir 4 de agosto de 2010 às 16:08 #

    Correção.

    Che cosa ne voglio fare?

    Jucemir

  12. jucemir 4 de agosto de 2010 às 16:23 #

    Pra Liane.

    “Não bote a culpa no twitter, tadinho.”
    Eita!quanta devoção.
    Faz tempo que os fiéis isentam as divindades de toda culpa.

    Jucemir

  13. dinah 4 de agosto de 2010 às 16:28 #

    Melhor enviares teus comentários para o post subsequente…corres o risco de não ser lido aqui!
    Vai para o post sobre Glauber…

  14. dinah 10 de agosto de 2010 às 11:17 #

    Tudo que vocês escreveram do dia 6 para cá, eu já li!!!!!!

    Mas as contribuições se recusam a aparecer aqui…coisas deste monstro cheio de faniquitos !!!!!!!

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